Wednesday, 10 November 2010

Não existem nações, RIP Svetlana Geiger



Nações não existem, somos todos um. Foi a conclusão a que cheguei em plena [vazia ;-(] Cinemateca do MAM depois de assistir ao belo doc "A mulher com os cinco elefantes", de Vadim Jendreyko (Alemanha, 2009), que apresenta ao mundo cinéfilo Svetlana Geiger, 85 anos, maior tradudora do russo para o alemão.

Assisti ao filme há duas semanas. Ontem soube que Svetlana morreu em casa domingo, dia 8 de novembro, em paz e de causas naturais.

O filme até então inédito no Brasil havia sido exibido na semana anterior na Mostra SP de Cinema e esta era a única e sei lá porque não-divulgada sessão no Rio. [Alô, Instituto Goethe e Cinemateca do MAM, não havia sequer um tijolinho no jornal; soube por um amigo que viu em Sampa e achou uma menção na internet.]

Svetlana, a figura central do doc, esbanja vigor e é estranho escrever isso sabendo que ela faleceu anteontem. Mas vou manter o verbo no presente, que é a Svetlana do filme, vigorosa aos 85 anos, seja em suas tarefas domésticas [que vontade de comer os seus pãezinhos]; intelectuais, uma tradutora-monstra; ou na viagem a sua Kiev natal, a primeira vez em 65, isso 65 anos depois que emigrou para a Alemanha.

Não é possível dizer que Svetlana seja uma pessoa doce. Mas quanta doçura quando se expressa a primeira vez em russo no filme, já em Kiev, no trem, toda contente por estar de volta enfim, agradecendo efusivamente a um guarda gentil. Quanta ânsia em reviver de alguma maneira a sua infância encantada na dasha dos pais então ainda vivos com direito a fonte, cegonhas e um tantinho de sol. Não encontrou vestígio da dasha, mas revisitou muitos lugares com a neta Anna.

Svetlana e a mãe deixaram a Rússia no fim da II Guerra Mundial. Seu pai morreu em 1943, cerca de 18 meses depois de sair muito debilitado de um dos campos de Stalin. O pai contou tudo a Svetlana, mas ela então com quinze anos, não guardou na memória uma palavra sequer. Duro demais.

Svetlana criou uma casca, vê-se, e seguiu em frente. Tornou-se a maior tradutora de alemão para o russo. Os cinco elefantes do título são os cinco maiores livros de Dostoievski. Svetlana nunca quis voltar a Kiev, não havia razão para isso, até que durante as filmagens do doc, um dos seus filhos sofreu um grave acidente. Ele se afastou pra cuidar dele, hospitalizado durante meses, mas pôde enfim aceitar um convite para dar uma palestra em Kiev.

O doc mostra a sua viagem. É comovente. De volta de Kiev, alguns meses se passam e Svetlana consegue então falar sobre a morte do filho, que ocorreu um pouco depois de sua volta. Svetlana está muito triste, mas é certo que em pouco tempo muita coisa mudou em sua rotina de 65 anos.

Svetlana Geiger, sempre vigorosa, lúcida, às vezes doce, uma tradutora genial, uma mulher sofrida. As palavras são o seu reino e o seu refúgio. No início do filme, em off, avisa:
"o mais importante não é definível por palavras".

Saí meio zonza do filme, afinal, graças a ele, ganhei mais uma possível origem, visto que meus avós (tive cinco) nasceram em Kiev, Vladivostok, Chorinchen, Varsóvia e Cracóvia.

Meu avô paterno, polonês, foi contemporâneo do pai de Svetlana, que era russo. Ambos nasceram em Kiev.

Duas nacionalidades diferentes em uma mesma cidade natal, como?

Pesquisa daqui, pergunta dali, não desfez-se o imbroglio. Quando meu avô nasceu, a Polônia não existia como estado e fazia parte a fórceps do Império Rússia/Áustria/Hungria. Só iria ressugir em 1920. Entre muitos retalhos em sua história, ainda mais um em 1945.


Mapa de Europa em 1900 Mapa de Europa em 1900

Serei de alguma maneira russa também? Não sei. O que sei cada vez mais é que nacionalidades não existem, somos todos um.

Fontes:

Trailer do filme "A mulher com cinco elefantes" ("Die Frau mit den 5 Elefanten", em alemão e "The woman with the 5 elefants", em inglês), de Vadim Jendreyko, Alemanha, 2009

Mais sobre o filme no Imbd

Site oficial francês do filme: http://www.5elephants-lefilm.com/

Tuesday, 12 October 2010

Tanzträume, o último sonho de Pina Bausch

"O último de sonho de Pina Bausch" ("Tanzträume – Judgendliche Tanzen “Kontakthof” von Pina Bausch, em alemão ou "Dancing Dreams – Teenagers Perform “Kontakthof", em inglês), de Anne Linsel e Rainer Hoffman, Alemanha, 2010

O doc imita a vida. Os 40 adolescentes que a coreógrafa Pina Bausch selecionou para montarem o balé Kontakthof sequer tinham ouvido dela falar. Eram neófitos da dança, garotos socraticamente ignorantes, que, ao longos dos ensaios e do filme, desabrocham em um intenso e sublime processo junguiano de individuação. Cada um se descobre um mundo, uma pérola, ao mesmo tempo que se encontram uns através dos outros. "Tanzträume" é uma edição e colagem dos dez meses de ensaios acrescido de umas poucas cenas da estreia e de várias entrevistas com os garotos, as duas assistentes de Pina Bausch e ela própria, registros que acabaram sendo os seus últimos filmados. Pina Bausch faleceu em junho de 2009.

Ter assistido a este filme foi um experiência saborosíssima, riquíssima e encantadora. Recomendo a todos os amantes da arte. A sensação mais forte que me ficou, entre tantas, foi a de me reconhecer igualmente nos garotos, nas assistentes e em Pina Bausch. Deve ser como no filme "Bebês", que ainda não vi. Somos todos possíveis e os mesmos em nossas particularidades.

À saída da sessão, entreouvimos a senhora que disse, "eu veria 20 vezes esse filme". Fica a dica.



Trailer de Tanzträume :
http://www.youtube.com/watch?v=gvSCuO60bA8

Trechos do espetáculo Kontakthof, encenado em 1983:
http://www.youtube.com/watch?v=4ZbfsLW707I

Trecho da temporada atual (2010), no Barbican, em Londres, com adultos com mais de 65 anos:
http://www.youtube.com/watch?v=aorfl4CtmnU

Cinema without borders, texto:
http://www.cinemawithoutborders.com/news/143/ARTICLE/2190/2010-06-06.html

German documentaries:
http://german-documentaries.net/films/35442

Saturday, 9 October 2010