Tuesday 28 September 2010

A mídia comercial em guerra contra Lula e Dilma

Por Leonardo Boff
23 de setembro de 2010

Sou profundamente pela liberdade de expressão em nome da qual fui punido com o “silêncio obsequioso” pelas autoridades do Vaticano. Sob risco de ser preso e torturado, ajudei a editora Vozes a publicar corajosamente o “Brasil Nunca Mais”, onde se denunciavam as torturas, usando exclusivamente fontes militares, o que acelerou a queda do regime autoritário.Esta história de vida me avaliza fazer as críticas que ora faço ao atual enfrentamento entre o Presidente Lula e a midia comercial que reclama ser tolhida em sua liberdade. O que está ocorrendo já não é um enfrentamento de ideias e de interpretações e o uso legítimo da liberdade da imprensa. Está havendo um abuso da liberdade de imprensa que, na previsão de uma derrota eleitoral, decidiu mover uma guerra acirrada contra o Presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff. Nessa guerra vale tudo: o factóide, a ocultação de fatos, a distorção e a mentira direta.Precisamos dar o nome a esta mídia comercial. São famílias que, quando veem seus interesses comerciais e ideológicos contrariados, se comportam como “famiglia” mafiosa. São donos privados que pretendem falar para todo Brasil e manter sob tutela a assim chamada opinião pública. São os donos de O Estado de São Paulo, de A Folha de São Paulo, de O Globo, da revista Veja, na qual se instalou a razão cínica e o que há de mais falso e chulo da imprensa brasileira. Estes estão a serviço de um bloco histórico assentado sobre o capital que sempre explorou o povo e que não aceita um Presidente que vem desse povo. Mais que informar e fornecer material para a discusão pública, pois essa é a missão da imprensa, esta mídia empresarial se comporta como um feroz partido de oposição. Na sua fúria, quais desesperados e inapelavelmente derrotados, seus donos, editorialistas e analistas não têm o mínimo respeito devido a mais alta autoridade do país, ao Presidente Lula. Nele veem apenas um peão a ser tratado com o chicote da palavra que humilha.Mas há um fato que eles não conseguem digerir em seu estômago elitista. Custa-lhes aceitar que um operário, nordestino, sobrevivente da grande tribulação dos filhos da pobreza, chegasse a ser Presidente. Este lugar, a Presidência, assim pensam, cabe a eles, os ilustrados, os articulados com o mundo, embora não consigam se livrar do complexo de vira-latas, pois se sentem meramente menores e associados ao grande jogo mundial. Para eles, o lugar do peão é na fábrica produzindo.Como o mostrou o grande historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma), “a maioria dominante, conservadora ou liberal, foi sempre alienada, antiprogresssita, antinacional e não contemporânea. A liderança nunca se reconciliou com o povo. Nunca viu nele uma criatura de Deus, nunca o reconheceu, pois gostaria que ele fosse o que não é. Nunca viu suas virtudes, nem admirou seus serviços ao país, chamou-o de tudo -Jeca Tatu-; negou seus direitos; arrasou sua vida e logo que o viu crescer ela lhe negou, pouco a pouco, sua aprovação; conspirou para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que continua achando que lhe pertence (p.16)”.Pois esse é o sentido da guerra que movem contra Lula. É uma guerra contra os pobres que estão se libertando. Eles não temem o pobre submisso. Eles têm pavor do pobre que pensa, que fala, que progride e que faz uma trajetória ascedente como Lula. Trata-se, como se depreende, de uma questão de classe. Os de baixo devem ficar em baixo. Ocorre que alguém de baixo chegou lá em cima. Tornou-se o Presidente de todos os brasileiros. Isso para eles é simplesmente intolerável. Os donos e seus aliados ideológicos perderam o pulso da história. Não se deram conta de que o Brasil mudou. Surgiram redes de movimentos sociais organizados, de onde vem Lula, e tantas outras lideranças. Não há mais lugar para coronéis e para “fazedores de cabeça” do povo. Quando Lula afirmou que “a opinião pública somos nós”, frase tão distorcida por essa mídia raivosa, quis enfatizar que o povo organizado e consciente arrebatou a pretensão da midia comercial de ser a formadora e a porta-voz exclusiva da opinião pública. Ela tem que renunciar à ditadura da palavra escrita, falada e televisionada e disputar com outras fontes de informação e de opinião.O povo cansado de ser governado pelas classes dominantes resolveu votar em si mesmo. Votou em Lula como o seu representante. Uma vez no Governo, operou uma revolução conceptual, inaceitável para elas. O Estado não se fez inimigo do povo, mas o indutor de mudanças profundas que beneficiaram mais de 30 milhões de brasileiros. De miseráveis se fizeram pobres laboriosos, de pobres laboriosos se fizeram classe média baixa e de classe média baixa de fizeram classe média. Começaram a comer, a ter luz em casa, a poder mandar seus filhos para a escola, a ganhar mais salário, em fim, a melhorar de vida.Outro conceito inovador foi o desenvolvimento com inclusão soicial e distribuição de renda. Antes havia apenas desenvolvimento/crescimento que beneficiava aos já beneficiados à custa das massas destituídas e com salários de fome. Agora ocorreu visível mobilização de classes, gerando satisfação das grandes maiorias e a esperança que tudo ainda pode ficar melhor. Concedemos que no Governo atual há um déficit de consciência e de práticas ecológicas. Mas, importa reconhecer que Lula foi fiel à sua promessa de fazer amplas políticas públicas na direção dos mais marginalizados. O que a grande maioria almeja é manter a continuidade deste processo de melhora e de mudança. Ora, esta continuidade é perigosa para a mídia comercial que assiste, assustada, ao fortalecimento da soberania popular que se torna crítica, não mais manipulável e com vontade de ser ator dessa nova história democrática do Brasil. Vai ser uma democracia cada vez mais participativa e não apenas delegatícia. Esta abria amplo espaço à corrupção das elites e dava preponderância aos interesses das classes opulentas e ao seu braço ideológico que é a mídia comercial. A democracia participativa escuta os movimentos sociais, faz do Movimento dos Sem Terra (MST), odiado especialmente pela VEJA, que faz questão de não ver; protagonista de mudanças sociais não somente com referência à terra, mas também ao modelo econômico e às formas cooperativas de produção.O que está em jogo neste enfrentamento entre a midia comercial e Lula/Dilma é a questão: que Brasil queremos? Aquele injusto, neocoloncial, neoglobalizado e, no fundo, retrógrado e velhista; ou o Brasil novo com sujeitos históricos novos, antes sempre mantidos à margem e agora despontando com energias novas para construir um Brasil que ainda nunca tínhamos visto antes?Esse Brasil é combatido na pessoa do Presidente Lula e da candidata Dilma. Mas estes representam o que deve ser. E o que deve ser tem força. Irão triunfar a despeito das más vontades deste setor endurecido da mídia comercial e empresarial. A vitória de Dilma dará solidez a este caminho novo ansiado e construído com suor e sangue por tantas gerações de brasileiros.

Saturday 25 September 2010

Coletivo Passe Adiante

O Coletivo Passe Adiante (http://tiny.cc/passeadiante) está em construção. Se você se identifica com a ideia, participe!

Como participar
1 - Deixe na rua da sua cidade um presente para qualquer pessoa
2 - Deixe junto um bilhetinho. Escreva o que quiser, o importante é pedir pra pessoa que achar passar adiante, ou seja, deixar por sua vez um presente para qualquer pessoa em uma rua de sua cidade.
3 - Peça para a pessoa que achar compartilhar sua experiência através desse post aqui: http://tiny.cc/passeadiante. Esse link é provisório. O Coletivo crescendo, criamos um site ou uma rede social. Quem quiser, pode fazer isso.

Aí vai o primeiro presente do Coletivo Passe Adiante!

Deixei um ingresso do Festival do Rio dentro de um envelopinho marrom no tronco de uma árvore que fica na praça na esquina das ruas Marquês de Abrantes com Praia de Botafogo.

O ingresso é para o filme "Líbano", dia 29/09/2010, às 16 h, no Estação Botafogo 1.
Na primeira foto, a árvore. Na segunda, onde está o ingresso, dentro de uma casca que está se soltando.
Boa sorte!
Quem achar e usufruir, passe adiante e conte a sua experiência aqui.

Coletivo Passe Adiante
Coletivo Passe Adiante http://tiny.cc/passeadiante

Friday 24 September 2010

Festrio, diário de uma cinéfila

Festival do Rio, foto de Isabella Lychowski

13/10, dia 8, "O último de sonho de Pina Bausch" ("Tanzträume – Judgendliche Tanzen “Kontakthof” von Pina Bausch, em alemão ou "Dancing Dreams – Teenagers Perform “Kontakthof", em inglês), de Anne Linsel e Rainer Hoffman, Alemanha, 2010

O doc imita a vida. Os 40 adolescentes que a coreógrafa Pina Bausch selecionou para montarem o balé "Kontakthof" sequer tinham ouvido dela falar. Eram neófitos da dança, garotos socraticamente ignorantes, que, ao longos dos ensaios e do filme, desabrocham em um intenso e sublime processo junguiano de individuação. Cada um se descobre um mundo, uma pérola, ao mesmo tempo que se encontram uns através dos outros. "Tanzträume" é uma edição e colagem dos dez meses de ensaios acrescido de umas poucas cenas da estreia e de várias entrevistas com os garotos, as duas assistentes de Pina Bausch e ela própria, registros que acabaram sendo os seus últimos filmados. Pina Bausch faleceu em junho de 2009.

Ter assistido a este filme foi um experiência saborosíssima, riquíssima e encantadora. Recomendo a todos os amantes da arte. A sensação mais forte que me ficou, entre tantas, foi a de me reconhecer igualmente nos garotos, nas assistentes e em Pina Bausch. Deve ser como no filme "Bebês", que ainda não vi. Somos todos possíveis e os mesmos em nossas particularidades.

À saída da sessão, entreouvimos a senhora que disse, "eu veria 20 vezes esse filme". Fica a dica.

10/10, dia 7, "A oeste de Plutão", Canadá, 2010
Não tenho muito o que falar sobre o filme, achei tão ruim, que saí no meio.

06/10, dia 6, "Tio Boonmée, que pode recordar suas vidas passadas", Apichatpong Weerasethakul (Reino Unido, Tailândia, França, Alemanha, Espanha, 2010)

Sítio do Pica-pau Amarelo [comentário entreouvido no cinema: ah, então é tipo um Sítio do Pica-pau Amarelo?!, rs] tailandês. Gostei muito deste filme, que conta uma história comum de forma incomum, se temos como ponto de vista o senso comum; ou de forma comum, se temos achamos que o sobrenatural faz parte de nossas vidas tanto quanto o palpável. Tio Boonmée mora num sítio e está doente. Não tem muitos dias de vida. A narrativa está imbuída em mostrar o dia-a-dia de Boonmée de modo sereno e calmo entre os seus entes queridos, vivos ou mortos. A naturalidade com que apresenta os personagens, sem desenhar linhas que separam vivos de mortos, é espetacular. Me lembrei várias vezes de David Lynch. Como gosto desses autores que mostram o mundo invísivel como parte integrante do mundo visível! E com que maestria. O filme tem várias cenas geniais. Como Boonmée está em fase de divisão de bens, que não são muitos, rola um certa mesquinharia no lado dos vivos. Aí tasco a frase que o narrador diz em algum momento em off e que pra mim é a chave do filme: "as questões terrenas nunca param de surpreender". Falou e disse.

02/10, dia 5 "Cópia fiel", de Abbas Kiarostami (França, Itália, 2010)

Embate filosófico + DR fake. O que estou escrevendo aqui é uma cópia fiel do texto de outra pessoa que viu o mesmo filme que eu. Essa pessoa não sou eu, mas eu a copio, o que tem o mesmo valor que o texto original. Tudo é original, nada é cópia, porque cada percepção de algo tem o seu valor ao mesmo tempo único e reproduzível. [Ou não, diria Caetano e todos os outros que discordam de mim]; [Ou sim, diria Borges e seu Pierre Ménard]. O que é originalidade? Ela de fato existe? Essa premissa/proposição filosófica aplicada na arte é o tema central de "Copie conforme", o aclamado livro de James, o personagem principal. A personagem de Juliette Binoche é a da moça que assiste à palestra de James e com ele sai pra dar umas voltas. Rola um clima, inicialmente um embate filosófico entre os dois, ainda sobre o mesmo tema, que desemboca em um outro embate. Juliette seduz James para que ele faça o papel do seu ex-marido, que não age com ela como ela acha que ele deveria agir. Desse momento em diante, o filme se torna uma DR e uma grande repetição.


29/09, dia 4 "Nostalgia da Luz", de Patricio Guzman (Chile, 2010)

Raspas, restos e estrelas me interessam. Doc poético+denúcia. O deserto do Atacama, no Chile, é a única área marrom no planeta Terra (à época da constatação de Gagarin - "a Terra é azul" -, o Google Maps sequer era sonho). Tal efeito se dá por conta da ausência de umidade nessa região. A transparência do ar, única nesse clima seco, promove a limpidez do céu e das terras e os estabelece como terreno privilegiado para astrônomos, arqueólogos e familiares de desaparecidos políticos. Ah, sim claro, e para o documentarista Patricio Guzman. Do ar seco que reúne os grupos, Patricio extrai a liga poética entre frases e imagens despudoradamente belas. Rochas e estrelas desfilam perante nossas retinas como em um balé primordial; pausadamente, graças ao seu ritmo perfeito, nelas nos reconhecemos: humanos. Mas eis que surge a primeira denúncia e todo esse ritmo toma outro rumo. São denúncias contudentes, urgentes e importantíssimas sobre a ação do governo de Pinochet contra seus opositores. As falas dos entrevistados alongam-se, a poesia desaparece. Somos então conduzidos aos horrores que a humanidade foi capaz de produzir. Mas a esperança não morre e a poeira das estrelas volta a coalhar nossas retinas, nossa calma, nosso porvir.

"Sempre acreditei que nossa origem estava no solo, mas agora acredito que pode estar muito acima, na luz das estrelas." Patrício Guzman

26/09, dia 3, "Minhas mães e meu pai", de Lisa Cholodenko (Eua, 2010)

Comédia romântica. Duas mulheres casadas há muito tempo têm dois filhos com um mesmo doador de sêmen. Tudo vai nos conformes até que um dos filhos resolve conhecer o pai. O carinha vem chegando todo jeitosinho e traz reviravoltas ao status quo. Como toda comédia romântica, o filme tem a sua dose de doçura, bom humor e cenas engraçadinhas, mas também tem uma dose de chatice. É um filme legalzinho, mas não a tal Brastemp que andam anunciando. [Há quem ache inovadora a normalidade com que se apresenta o casal, mas o fato é que é normal, hello, século XXI, então a "sacada" de tratar como inovador o que é normal, deixa o filme previsível e arrastado, principalmente no terço final].

25/09, dia 2, "Terça depois do Natal", de Radu Muntean (Romênia, 2010)

Não te perdoo por me trair. Casal comum tem crise conjugal comum, porque o marido tem uma amante. Diálogos longos (muitas vezes longos demais) sobre arcadas dentárias e compras de Natal. O filme dá uma guinada quando o marido resolve contar pra mulher que vai partir pra outra. A mulher tira os óculos, dá alteração e o marido (a parte mais interessante do filme) não reage. Deixa o caos se auto-organizar. Ele é bem wu wei, filosofia oriental que preconiza que "tudo aquilo a que você resiste, persiste."

25/09, dia 2, "Ao mar", de Pedro Gonzalez-Rubio (México, 2009)

Mogli mexicano. Linda fábula sobre o encontro na natureza entre pai, avô e filho, um adorável menino de cinco anos. O filme quase inteiro se desenrola no Banco de Recifes de Chinchorro, um paraíso aquático no México. O pai, que separou-se da mãe italiana do menino, quer deixar-lhe como legado o seu dia-a-dia e a sua lida de pescador e amante do simples e do belo, já que Natan deve voltar para Roma no fim do filme. A câmera naturalista mostra tudo como é e isto encanta, exceção feita para os vegetarianos, por conta das muitas cenas dos peixes se debatendo antes de morrer. Destaque para a garça "Blanquita", que se torna amiga de Natan e de seu pai, para o choro do menino ao se despedir, para a natureza deslumbrante e para duas frases que pontuam o filme: "no hay pressa de llegar" [no hay mismo] e "velhos são os caminhos, nós continuamos andando." Partiu ao mar!

25/09, dia 2, "Nossa vida exposta", de Ondi Timoner (Estados Unidos, 2009)

O palhaço Luvvy tá querendo aparecer. Doc multi-facetado díficil de digerir, mas que fica depois do filme como tema a ser investigado, debatido e deglutido. O protagonista é Josh Harris, um filho mal-amado que cresce e resolve aparecer sendo diferente dos demais. Nos anos 80, antevê que a Internet e a evasão da privacidade moverão o mundo. Ganha milhões com projetos de sua autoria como um bunker onde confina na virada do milênio dezenas de pessoas filmadas em todos os seus movimentos. Há uma sala com armas (sic), uma câmara de torturas (sic), drogas liberadas, etc, etc. No projeto seguinte, se auto-confina com a namorada. O viés do doc é: a tecnologia vai dominar as pessoas. Será? Josh pintou na tela como um cara extremamente egocentrado. A impressão que fica é a de que não importa a plataforma, o seu negócio é aparecer de qualquer maneira. Não há mocinhos nem vilões, mas um tema a ser debatido.

24/09, dia 1, "Amores Imaginários", de Xavier Dolan (Canadá, 2010)

Raspas e restos [não] me interessam. Triângulo amoroso não consegue emplacar o clássico quem-come-quem. Amigos, Francis & Marie, se apaixonam por Nico, novo amigo recém-chegado do interior, mas ambos se frustam, se estranham e deprimem. Nico é solar e fugidio, tem um quê de "Morte em Veneza" e de Louis Garrel, que aliás, faz uma ponta no filme. O excesso de cenas fragmentadas, de depoimentos dor-de-cotovelo de quase-anônimos e do uso do slow motion provoca um distanciamento entre o espectador e os personagens. Empatia também é quase amor. Ficou faltando. Vale registrar que os meninos são gatinhos e o Canadá rural é lindo.
Foto: Isabella Lychowski