Wednesday 25 March 2009

Gosto de oxímoros, eu

Ao longo dos anos (mas começou de repente), achei que havia criado um laço, desses em que as raízes se misturam à terra que as abriga; a terra à água que é seiva; a água ao ar que respiramos, transmutado, e este por sua vez, quase um rei alquímico, ao éter, em oblação.

Tendo, como muitos humanos e animais (!) também o fazem, a projetar quem e o que eu sou nos outros. Desde o que imodestamente possa julgar como uma grande generosidade ou um teimoso e irredutível estoicismo, até um simples e despretensioso vício de repetir um erro indesejado, apenas porque isso me é familiar. (Gosto de oxímoros, tautologias, palíndromos e da Wikipédia; enfim, o que é, é; e assim tem sido).

Aqui e agora me permito voltar um pouco às minhas origens barrocas e abro um descarado e retrospectivo parênteses. Seria o caráter esponjoso da memória celular me abraçando com os seus tentáculos de marfim ou meu insuspeitado apreço por pinçar arquétipos de gregarismo?

Ora, sei lá!

O que sei, e é alvissareiro que a essas alturas eu esteja tão feliz com tão pouco (corrijo-me a tempo e agora, que esteja tão feliz por saber finalmente (!) que o pouco não existe), e que por ter-me projetado com tanto afinco e fervor nesse outro, julguei erradamente ter criado um laço.

Os fatos trataram, com a mansidão e a desfaçatez que lhes são próprios e peculiares, de me chamar à real. Levei uma surra, bambeei, vi-me quase ao rés-do-chão. Os fatos me sacudiram e me chacoalharam, bem forte, para que eu pudesse chorar, e dali, renascida, voltar para a minha casa de sempre (gosto de oxímoros, eu), onde exerço com maestria e naturalidade as minhas disposições luminares.

O que se deu, se deu primeiro de mansinho. A desfaçatez se apresentou depois, de chofre, porque já não havia véus que cobrissem tantos indícios. Umas poucas palavras não ditas aqui, confidências que naturalmente seriam trocadas e não o foram ali, omissões aparentes, um não reconhecimento flagrante de quem eu sou, ou quem sabe, uma impossibilidade dissimulada de ignorância de saber quem eu sou à vera, indiferença, deslizes, incompatibilidade, desnivelamento, ora, tanto e repetidamente, e eu lá ainda firme a apontar estrelas, apostando nos poderes que desanuviam, que criam, que crêem, que unem e juntam as almas supostamente afins. Já disse. Gosto de oxímoros, eu.

Deixei que os fatos me dessem o seu recado bem dado: arreda-te, toma outro rumo, pica a tua mula!

O laço não tinha os poderes que cegamente lhe atribui.

A verdade é que não havia sequer laço. Não é mesmo?

Não há dor (você se lembra dessa frase?). O que é, é. Estou grande e feliz. Sorrio orgulhosa diante desta página virada com serenidade e exatidão.

A janela está aberta, bem como a porta principal. O vento não hesita em arrancar as fracas folhas das árvores outonais.

Voltei à minha casa.
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PS (31/03/2009) - Exemplo de um belo oxímoro que encontrei em um blog. Irresistível não fazer esse adendo.

"Escola Superior de Guerra é um oxímoro, na opinião de Millôr Fernandes. Segundo ele, sendo de guerra não poderia ser superior."

Então não é?

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