Saturday 25 April 2009

Volte para as suas cabras

Se algum dia eu voltasse ao passado (pode rir, eu não quero, é verdade que tenho vivido agora), decerto que os meus olhos de criança bem pequena se maravilhariam e se esbugalhariam aos pés da montanha que emoldura a vertente oeste do bairro de São Francisco (os olhos podem, sim, abarcar essa ternura).

Com o pouco que sei hoje, murmuraria baixinho Rosebud e o Morro, imponente, sorriria para mim, me aninhando em seu regaço verdejante maculado por um esqueleto de concreto fincado em seu flanco e me diria sem pestanejar: - Não chores, minha filhinha, eu sou um morro e não me desloco no tempo, o amor que você sente é o mesmo, só que um pouco maior. Viva assim hoje. Volte para as suas cabras.

Seria fácil então, à minha esquerda, largar a minha mão da mão do meu avô querido, que sabia muito melhor do que eu como é bom ser livre como um pássaro; e à minha direita, embora o morro me tivesse aconselhado o contrário, deixar que a cabrinha branca ruminasse o seu capim rasteiro em paz.

E eu, como não poderia deixar de ser, sairia em desabalada corrida pelas ruas semi-desertas, entre casas antigas (mas não tão antigas quanto a mata e seus segredos) e muitas, muitas outras em construção. Pode ser que eu ainda esteja zunindo na minha bicicleta azul pelas ruas do canal, ou espiando se a janela do quase primeiro namorado já está aberta. Posso também apenas ficar na rede, olhando o céu sempre sempre azul. Puxar o rabo do gato, jogar água no Pime. Ler no muro da rua sem saída palavras que eu não conheço e descobrir que isso é que é um palavrão. Algo terminado com iu. O que significa?

Não importa! Ali e agora, tenho certeza de que nada ficou para trás, porque o Morro, a cabra e o avô me ensinaram e eu aprendi. Eles me sorriem serenos e felizes e estou vivendo agora.

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